• 06/03/2018
  • Por Paula Jacob | Fotos Daniel Costa
Atualizado em
Entrevista: para Li Edelkoort, casas do futuro precisam de espiritualidade (Foto: Daniel Costa)

DE TANTO OBSERVAR O MUNDO EM BUSCA DOS SINAIS QUE  EXPLIQUEM O QUE SE PASSA COM A SOCIEDADE HOJE e, mais ainda, para onde todos caminharemos amanhã, Li Edelkoort há muito viu seu nome virar sinônimo da profissão que inventou para si: trendhunter. E que futuro estaria passando em sua cabeça agora? Segundo Li, o perigo está lá fora. Catástrofes e violências de toda sorte em quantidade e intensidade inéditas têm feito as pessoas transformarem suas casas em verdadeiros templos, abrigos para proteger a alma das agruras externas. A ordem é relaxar, cozinhar com os amigos, tomar banhos revitalizantes, curtir os animais, reconectar-se com o fazer manual. À frente da consultoria Trend Union, a guru aponta as referências para o estilo de vida indoor em seu novo livro, Home & Lifestyle 2019 – Spiritual House (disponível via lilitedde.com.br). Em entrevista exclusiva à Casa Vogue, ela entrega detalhes de como serão os próximos tempos da casa daqui para frente.

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Entrevista: para Li Edelkoort, casas do futuro precisam de espiritualidade (Foto: photo by daniel costa)

Como funcionou o processo de pesquisa para escrever Spiritual House?
Estamos vivendo em um mundo com problemas de migração, guerras silenciosas, censura velada. Nossa sanidade está sendo desafiada. As pessoas ficam cada vez mais estressadas, sem amparo, não se sentem seguras para viajar, ver um filme ou ir ao concerto. Somos alvos de uma situação e, quando isso acontece, nosso lar ganha outro significado. Ele se torna uma fortaleza, o lugar para se sentir completo, salvo e confortável para realizar a atividade que for, seja ela aprender a cozinhar coisas novas ou costurar um vestido. Você passa a ter controle do próprio universo, o que lhe permite transbordar as emoções em ocasiões diversas. Praticar ioga na sala, meditar no quarto, pintar um quadro – nesses momentos de prazer, as pessoas esvaem a exaustão e acabam refazendo a própria morada, a casa espiritual. E ela não tem nada a ver com religião ou tamanho. Estamos entrando em um momento de reconexão com as nossas crenças como forma de autoconhecimento. Precisamos compreender o espiritual como a força para transcender em si.

Entrevista: para Li Edelkoort, casas do futuro precisam de espiritualidade (Foto: photo by daniel costa)

E como você dividiu o livro para explicar essas tendências?
Esta edição é mais compacta, queria escrever textos com os quais os leitores se identificassem de imediato. São duas as frentes que guiam o Spiritual House. A primeira, Searching for Light, foca na beleza das luzes. Temos a volta das velas para resgatar os instantes especiais; a presença de luminárias portáteis, para levarmos a luz aonde quer que estejamos, afinal somos wireless; e a arquitetura como fator decisivo para a entrada de claridade em pontos estratégicos da casa. A segunda parte, por sua vez, é chamada de Embrace Your Shadows, na qual falo sobre elementos escuros e tons profundos na ambientação da casa. Aqui, existe uma inspiração intensa nas tradições do oriente que invadem o banheiro, o quarto e a cozinha, que surge completamente dark, desde a louça e os móveis até as comidas, coma presença de alimentos rústicos. Para dar o efeito de blush, tons de rosa pontuam a escuridão em estofados e luminárias. Este livro é uma harmonia, assim como Yin Yang. Mais do que uma publicação de design, ela é também de lifestyle. Inclusive a escolha de imagens [algumas delas você vê com exclusividade nesta reportagem] foi pautada para não se prender somente a decoração ou arquitetura, mas trazer itens essenciais da casa. Este momento de acolhimento do lar está diretamente ligado ao poder de hospitalidade. Como você recebe quem você ama?

Entrevista: para Li Edelkoort, casas do futuro precisam de espiritualidade (Foto: photo by daniel costa)

Acredita ser possível o ocidente imergir nas referências orientais? As culturas são tão diferentes...
Existem muitos japoneses que migraram para a América do Sul. Essa fusão já existe no inconsciente, ela é quase natural de acontecer. Principalmente no Brasil, onde há mistura de espiritualidade até no repertório arquitetônico – do movimento modernista aos belos monastérios. Porém, alguns ensinamentos orientais ainda precisam ser internalizados na sociedade. O principal deles é a força do compartilhamento entre pessoas. Deixarmos para trás o sentido do “eu” para dar lugar ao “nosso”. Aprender a trabalhar e viver junto com outros. Os indivíduos estão buscando alternativas de convivência social. É uma mensagem universal. Não teremos mais os recursos suficientes para cuidar do planeta se continuarmos pensando em unitários. Somos cada vez maiores em número para um espaço claramente incapaz de suportar tanta gente.

Entrevista: para Li Edelkoort, casas do futuro precisam de espiritualidade (Foto: photo by juliette chr)

E é neste momento que ocorre a emancipação do hemisfério sul, que você comenta?
Os criativos de lugares como a África, o sul da Ásia, o Peru, o Brasil sempre existiram, mas eles estavam escondidos nas sombras, servindo o Norte, e nunca reconhecidos de fato pelo seu ofício. É isso que move a força de desprendimento do hemisfério sul. Confiança é a palavra desse processo. É quase como um protesto contra o passado. Elas se tornam o centro das atenções, com forte ligação aos locais de origem, tornando os respectivos trabalhos algo realmente genuíno. Fique atento aos estilistas africanos, aos arquitetos brasileiros, à culinária indiana, à fotografia. Todas essas áreas trazem novas referências – e isso não é uma previsão para o futuro, está acontecendo agora.

Entrevista: para Li Edelkoort, casas do futuro precisam de espiritualidade (Foto: photo by daniel costa)

Como podemos converter a casa de hoje nessa casa espiritual?
É importante dizer que os excessos deixam de existir e dão vez à estética flat, com um quê ritualizado. Use peças arredondadas, bowls para servir comida, velas para espalhar pela residência e acendê-las em jantares (cozinhe bastante!). A presença de texturas é vital – tecidos crus, raízes, cordas –, mas de maneira sofisticada, um protagonista sutil na decoração. As cores escuras na cozinha e o rosa, como já dito, são apostas para essa nova época indoor. Imagine sua casa como seu santuário. Portanto, fuja de coisas grandiosas. Os elementos de décor aparecem mais funcionais e espalhados de maneira prática, pensando no seu uso e conforto. O banheiro também merece cuidado especial, ele é o local onde muita gente tem paz. Tenha objetos que deixem você centrado em si, essa é a celebração da vida. Essas tendências surgem no momento em que precisamos ter calma para refletir sobre nossas atitudes, sobre consumo consciente, sobre sustentabilidade. É com esse tempo, dentro da nossa casa espiritual, que nos encontraremos inteiros dentro de nós mesmos, e não nos likes, e-mails e mensagens de WhatsApp que respondemos imediatamente. A criatividade surge nas épocas difíceis. Só assim conseguimos superar situações ruins, transformar o ordinário em extraordinário.